Por Maria de Lourdes Borges
Há quanto tempo o você estuda a cadeia de valor do cliente (CVC)? Como ela tem ajudado os seus clientes?
Há 8 anos comecei na jornada de pesquisa que eventualmente criaria o conceito da cadeia de valor do cliente (CVC). A CVC incorpora as atividades da jornada de aquisição, uso e pós-uso de produtos e serviços com a constatação de que existem apenas três tipos de atividades: aquelas que criam valor para o cliente, as que captam valor do cliente e as que destroem valor do cliente. Empresas interessadas em inovação e disrupção digital centrada no cliente agora entendem que, independentemente da indústria, setor de atuação ou tipo de clientes, há apenas três caminhos a seguir: um envolve aumentar atividades de criação de valor, outro envolve reduzir atividades de captação (ou cobrança) de valor e a última envolve eliminar atividades de destruição (ou erosão) de valor. Estas podem ser implementadas de diversas formas possíveis, mas não há outro caminho.
Você cita alguns casos de pesquisa que o ajudaram a desenvolver o conceito decoupling, algumas feitas no Brasil, e outras, nos Estados Unidos. É possível que o impacto deste fenômeno mude de acordo com o país em que ocorre?
A verdade é que a terceira onda de disrupção digital, chamada de decoupling, tem atuado a mais tempo nos Estados Unidos e na China. Mas em vários outros países da Europa, Ásia, África e América do Sul existem novos exemplos de startups usando o decoupling para se inserirem na cadeia de valor do cliente, disruptando empresas estabelecidas e depois crescendo nas adjacências da CVC. Entre os exemplos de startups no Brasil usando decoupling estão a Rappi, OLX, 99 e iFood.
Qual seria um bom exemplo de “decoupling inicial”?
No Brasil, Loggi, iFood, Rappi e dezenas de outras startups estão fazendo o decoupling de atividades envolvidas na compra, no recebimento e uso de produtos, nos artigos e serviços que envolvam entregas de bens físicos ou de documentos. Estas empresas não produzem ou entregam produtos por elas mesmas, apenas intermeiam o serviço de entregadores e clientes finais.
Como a cadeia de valor do cliente se relaciona ao decoupling?
Decoupling, simplesmente quer dizer a quebra dos elos existentes entre a cadeia de valor do cliente, e a consequente transferência de uma atividade executada antes por uma empresa estabelecida, para uma startup. Por exemplo, uma startup da Califórnia chamada Trov ajuda consumidores a ligarem e desligarem seguro para seus objetos pessoais apenas clicando em um botão no aplicativo quando precisarem. A empresa cobra por item assegurado e por dia. Porém, diferentemente de uma seguradora tradicional, a Trov não possui o sistema de ‘underwriting,’ resseguro e vendedores de seguro. Uma vez que vários clientes contratam este seguro diário, ela passa tudo para uma seguradora tradicional criar apólices flexíveis. Trov desacopla o ato de assinar e cancelar seguros de itens pessoais.
Pode nos falar um pouco sobre por que uma empresa deve calcular o seu Market Share at Risk e o seu Total Market at Risk?
Qualquer setor, indústria ou mercado hoje em dia tem visto o aparecimento de dezenas ou centenas de startups entrando e tentando disruptar empresar estabelecidas. E a cada dia, uma nova aparece. Dado esta realidade, empresas estabelecidas não tem capacidade de monitorar, avaliar e responder a todas as startups que aparecem. No livro eu mostro como avaliar o potencial disruptivo na forma de perda de participação de mercado, que cada startup oferece. Este é o Market Share at Risk.
Para investidores de startups, eles querem saber o total de potencial disruptivo da startup que eles cogitam investir. Agregando-se o Market Share at Risk (MaR) de várias incumbentes num mercado se chega ao Total Market share at Risk (TMaR), que mede o total potencial disruptivo. Quanto maior, mais a avaliação de valor da startup para investidores. Isso foi explicado em detalhes no capítulo 6 do meu livro.
Qual é o seu conselho para uma empresa estabelecida que esteja tentando evitar o impacto de um negócio disruptivo?
Eu tenho aconselhado recentemente empresas como a Adidas, Embratel, Banco do Brasil, entre outras. Na minha visão, empresas estabelecidas tendem a ser “disruptadas” não por competidores dentro da própria indústria, mas fora dela. Empresas de mídia jornalística foram disputadas pelo Facebook, que não é um jornal. Redes de hotéis foram disruptados pelo Airbnb, que não é um hotel. Assim, monitorar startups e empresas de tecnologia é crítico. Mas existem tantas que é preciso ter um tipo de radar de defesa. O meu livro mostra como montar esse radar e as diversas opções de ataque ou defesa, que dependem do grau de risco da empresa, custo de reposta e grau de potencial disruptivo da startup. Essa ferramenta de cálculo eu descrevo no capítulo 5.
Em sua obra, você afirma que nem toda inovação é necessariamente disruptiva. Qual seria um sinal de que uma inovação tem potencial parar gerar disrupção?
Inovações disruptivas são aquelas que os clientes e consumidores resolvem adotar rapidamente em massa e que, por consequências desta intensa adoção, fazem com que empresas estabelecidas percam grande participação de mercado para startups, em um curto período de tempo. Há casos ao redor do mundo de empresas incumbentes perderem 20%, 30% ou até 50% de participação de mercado (ex: Nokia) em um curto período de tempo, em alguns casos menos de 10 ou 7 anos. Os principais sinais indicativos de que isso pode ocorrer — o aparecimento de um potencial disruptor— advém do fato de que alguma startup consegue criar um produto ou serviço que drasticamente reduz o custo monetário, de tempo ou de esforço para um grupo de consumidores. Se isso ocorre, a transferência de participação de mercado das incumbentes para a(s) startup(s) é natural.
Em sua opinião, entender o conceito decoupling pode ajudar na construção de um novo modelo de negócios bem-sucedido?
Absolutamente, sim. Em 8 anos de pesquisas em mais de 20 indústrias, eu constatei um processo em comum, um padrão de disrupção digital que eu resolvi chamar de decoupling. Esta é a forma de ataque às empresas estabelecidas. Para essas empresas responderem a esses ataques de forma bem-sucedida, elas precisam entender como a disrupção ocorre. Só assim podem criar estratégias de resposta (defesa e ataque) bem-sucedidas. No capítulo 2 do meu livro, eu mostro os argumentos para a conclusão de que o meio mais eficaz de resposta parte por entender onde e como o modelo atual de negócios da empresa está sofrendo o ataque e está falhando. Não é a tecnologia em si, mas a evolução do modelo de negócios é que vai ajudar a empresa a sobreviver. Tecnologia é importante, mas é um motor que se adiciona a um modelo de negócios inovador. Os capítulos 4 e 5 do meu livro descrevem detalhadamente tal abordagem.
Qual seria a “grande jogada” para quem está tentando criar uma startup?
Startups existem pois seus fundadores conseguem enxergar um problema do cliente que é importante o suficiente para ele ou ela mas que não é grande e complexo o suficiente que uma startup, com pouco dinheiro, recursos e pessoas, não consiga abocanhar. Assim, a arma da startup é achar um problema do cliente e se especializar em resolver aquele único problema (pelo menos inicialmente). Especialização é a forca que age por trás do decoupling. A outra arma da startup é a velocidade. A rapidez com que uma startup :
- enxerga o problema
- cria uma solução na forma de um produto físico ou serviço (em muito casos usando tecnologias existentes, não necessariamente uma nova tecnologia)
- lançam as soluções no mercado e com menos recursos que empresas estabelecidas, conseguem competir de igual para igual, ou em casos como a Uber, Airbnb, Stripe, Nubank, Klarna, serem superiores aos incumbentes.
A grande jogada para potenciais empreendedores digitais é achar um problema específico em comum de milhões de clientes, que empresas estabelecidas ainda não identificaram ou desconsideram, e rapidamente agirem para prover uma solução ao mercado. Os capítulos 7 e 8 do meu livro explicam detalhadamente como atingir esse objetivo.